|
Na foto Waldemar em reunião com parlamentares
( observem no lado direito da foto ao alto
o rosto de um cidadão de cabelos grisalhos) |
Como o líder do PR montou um esquema no Ministério dos Transportes para se aproveitar de um orçamento de R$ 21 bilhões, cobrando propinas e superfaturando obras públicas.
O deputado federal Valdemar Costa Neto (PR/SP) nunca foi ministro. Mas o cargo jamais chegou a lhe fazer falta para mandar, como pouca gente na República, num ministério inteiro. Nos Transportes, “Boy”, como Valdemar é chamado pelos amigos, reinou durante oito anos e meio. Ali ele era o padrinho. Despachava do gabinete do sexto andar, tinha assessores à disposição e recebia empreiteiros com hora marcada. Transitava pelo ministério com a desenvoltura de quem passeava pelas ruas pacatas de sua Mogi das Cruzes, a cidade de 387 mil habitantes, no interior paulista, onde sua família fincou poder. Desde que a pasta foi entregue ao Partido Republicano, Valdemar usou o orçamento, que pode chegar a R$ 21 bilhões, conforme os interesses de seus apadrinhados, engordando as contas da legenda e cooptando mais parlamentares. Isso era feito especialmente por meio do superfaturamento de contratos de obras públicas em rodovias e ferrovias de todo o País.
Agora se sabe que a cobrança de propina tornou-se mais voraz – o que acabou chamando a atenção do Palácio do Planalto – desde janeiro passado. O objetivo era cobrir um rombo milionário nas contas de campanha. O PR encerrou a eleição de 2010 com uma dívida oficial de R$ 41,3 milhões, mas fontes do próprio partido garantem que esse valor é pelo menos três vezes maior. Com apoio do amigo e ex-ministro Alfredo Nascimento, com quem costumava dividir passeios de barco pelo rio Amazonas, “Boy” criou no Ministério dos Transportes uma verdadeira central de arrecadação. Para cada grande obra aprovada pelo Dnit, a liberação da verba só acontecia após o chamado “acerto político”, que na prática consistia na cobrança de uma taxa de 2% a 5% sobre o valor do contrato. Os pagamentos aconteciam no próprio gabinete de Nascimento e em hotéis de Brasília e São Paulo.
No gabinete paralelo do padrinho Valdemar, cada setor do Dnit tinha o seu correspondente no ministério para a reavaliação dos projetos. Além do encarecimento das obras, o esquema se tornou ainda mais escandaloso e evidente por uma questão burocrática. “Para executar um orçamento de R$ 21 bilhões, como o previsto para 2011, é preciso agilidade. O acerto político começou a atravancar a execução das obras”, disse à ISTOÉ um ex-membro da cúpula do ministério. O diretor afastado do Dnit, Luiz Antônio Pagot, um dos poucos indicados do PR fora da cota de Valdemar (Pagot é ligado a Blairo Maggi), já vinha reclamando dos atrasos em encontros com empresários. As queixas de Pagot chegaram aos ouvidos da presidente Dilma Rousseff, que então convocou a reunião com a cúpula dos Transportes, na qual determinou a intervenção na pasta. Desde lá, Dilma já demitiu 16 pessoas, entre funcionários do ministério e do Dnit, inclusive o ministro Alfredo Nascimento. Na sexta-feira 22, o petista Hideraldo Caron, diretor de infraestrutura rodoviária do Dnit, pediu demissão.
Para o deputado federal Fernando Francischini (PSDB/PR), as denúncias são graves e devem ser investigadas a fundo. “Precisamos instalar a CPI para descobrir como funcionava esse esquema de arrecadação, quanto foi desviado, quem participou e onde eram esses encontros”, afirma Francischini. Segundo ele, o afastamento dos funcionários do ministério ligados ao PR não resolve o problema. Tampouco elimina a influência de Valdemar na pasta. “O atual ministro, Paulo Sérgio Passos, é seu homem de confiança e conhecia o esquema. É como matar os ratos da casa, mas não dedetizá-la”, afirma o tucano.
A turma de Valdemar esperneia por moderação, é claro. De saída, eles pretendem conter a faxina do governo, pedindo equiparação de corruptos e apontando o dedo para petistas que também atuam nos Transportes. “Queremos que haja uma balança igual para todos”, alega o líder do PR, deputado Lincoln Portela (MG). A orientação dentro do partido é conter a operação limpeza de Dilma e evitar que o PT assuma a pasta, que se tornou vital para a sobrevivência financeira e política do PR. Valdemar mostra as armas e alardeia que tem sob seu controle 63 deputados na Câmara. São 40 deputados do próprio PR e 23 das legendas nanicas PRB, PTdoB, PRTB, PRP, PHS, PTC e PSL. Trata-se, portanto, de uma bancada poderosa que o padrinho batizou de “partido único”, embora não haja entre seus membros nenhuma afinidade programática – a não ser a manutenção de determinado naco de poder. “Nosso compromisso é dentro da Câmara”, afirma Valdemar. Ao que tudo indica, trata-se de um compromisso mantido a custo de muito dinheiro público. “A corrupção nos Transportes é tamanha que não surpreende que essa crise esteja acontecendo”, afirma Lucas Furtado, procurador-geral do Ministério Público no TCU.
As ameaças de Valdemar parecem ter começado a surtir efeito na semana passada. O Planalto já orientou ministros para que trabalhem com o objetivo de esfriar o assunto da mídia. Assim, na quinta-feira 21, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, saiu a campo para relativizar as denúncias. Segundo ele, o orçamento bilionário de um órgão como o Dnit é que o tornaria vulnerável. “Supor que não haverá nenhum problema é uma coisa quase impossível”, disse o ministro. Até agora, a Polícia Federal não foi acionada. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz que vai esperar o parecer da CGU, embora a PF tenha autonomia.
O Planalto não tem intenção de azedar ainda mais a relação com o comandante do PR. Mais que os votos sob seu controle no Congresso, Valdemar Costa Neto interessa ao PT por conta do processo do mensalão. Ele e o deputado João Paulo Cunha são os únicos dos 36 réus com mandato parlamentar. Ou seja, são as únicas peças que fazem com que o processo do mensalão permaneça na órbita do Supremo Tribunal Federal. “Ninguém quer correr o risco de ser condenado”, afirma um cacique petista. Segundo ele, caso o processo avance nessa direção, Valdemar e Cunha, em comum acordo, renunciariam a seus mandatos, fazendo com que o mensalão volte à primeira instância e os crimes acabem prescrevendo. Valdemar é parceiro firme. Foi ele, em 2002, que articulou com José Dirceu e Delúbio Soares a indicação do empresário José Alencar como vice na chapa de Lula. Esse apoio não foi de graça. Custou, segundo admitiu o próprio deputado, R$ 10 milhões. Tudo pago com a intermedição do publicitário Marcos Valério, o que deu origem a boa parte das denúncias do mensalão.
Valdemar é um homem acostumado desde cedo ao poder. Seu pai, Valdemar Costa Filho, administrou Mogi da Cruzes por quatro mandatos, com mão firme e revólver na cintura. Com a ajuda dos militares e das boas relações com Paulo Maluf patrocinou obras que consolidaram seu poder local. “O Boy foi criado no colo do Maluf”, diz Delmiro Gouveia, presidente do diretório municipal do PPS. Inteligente e pragmático, Valdemar Costa Neto não coleciona desafetos. Prefere colecionar bens e levar uma vida de rico. Tem predileção por cassinos no Exterior. Sua ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira, que se separou de Boy num rumoroso processo, lembra que ele era generoso em mesas de bacarat: mais de uma vez torrou US$ 500 mil no cassino do hotel Conrad, em Punta del Este, no Uruguai. “O esquema de jogo dele é muito pesado. É um negócio absurdo”, contou Maria Christina à ISTOÉ. Segundo ela, Valdemar faz questão de acertar suas contas em espécie, evitando cartões ou cheque. “Na casa em que morávamos existia um cofre enorme”, conta ela. Com um estilo de vida assim, é possível compreender por que um cargo formal de ministro só atrapalharia Valdemar. Do jeito dele, é bem melhor indicar amigos para cargos públicos que comandem cofres maiores que o de sua casa.
Matéria publicada pela revista Isto É